Os dias ao avesso

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  tornado avesso Encontramos, se buscarmos, vasta literatura nos ensinando regras de conduta, manuais de maternidade, receitas de como fazer isto ou aquilo. Métodos e mais métodos para lidar com algumas situações, para conseguir chegar e alcançar certos lugares. Disciplinas e mais disciplinas. O poder disso, o poder daquilo e tantos outros poderes: da mente, do corpo, do espírito, da alma, da disciplina, do agora, poder, poder…poder! Até de milagre encontramos: da manhã, do dia, da noite, do universo.

    Respeito cada um deles, o que não quer dizer que eu concorde com todos. Mas uma coisa preciso dizer: já li e busquei sobre muitos desses métodos, disciplinas. E se me perguntarem se funcionam, responderei (sobre os que conheço com alguma propriedade), que sim, mas com uma ressalva: NEM SEMPRE.

    E o que quero dizer com isso? Bom, vou dar um exemplo. Todos vocês sabem vestir uma blusa, certo? Mas tem sempre aquele dia em que você veste a blusa do avesso, mesmo sabendo como vestir e já tendo feito isso mil vezes. Também tem aquele dia que você tropeça, que você cai, enfim, esses são os dias que eu chamo de “dias ao avesso”.

    E quando fiz a ressalva sobre o funcionar ou não dos “métodos”, “disciplinas” e “milagres” e a resposta foi “sim, mas NEM SEMPRE”, é porque dentre todos os que li, fiz cursos, estudei, por mais que trouxessem e apresentassem algumas variáveis que poderiam ocorrer no percurso, não há como abarcar todas elas, suas especificidades e muito menos suas combinações.

    Tem dias que realmente parecem estar do avesso, mas são poucos e poucas os(as) que ousam falar sobre isso. Conheço algumas pessoas que ultrapassaram essa barreira (a essas fica a minha admiração e é para onde direciono meu olhar de aprendiz): sobre quando os métodos já não são suficientes, sobre quando as disciplinas não dão conta, quando a comunicação é um tanto violenta sim. Sim, violenta! Porque ela se dá de formas sutis, porque somos humanos e errar, falhar faz parte da nossa humanidade. E digo isso como alguém que estuda o assunto, que busca colocar em prática, mas que nem sempre consegue.

    E não que eu ache isso “bonitinho”, mas é que escolhi entender que não sou perfeita, que vou errar sim, mas que estarei sempre no eterno exercício de acertar, de dar o meu melhor. E se no final do dia ou dos dias a balança pender para o lado do objetivo traçado, já valeu a pena. Eu também atravesso meus dias ao avesso. Hoje, por exemplo, é um deles.

    Sabe, eu estudo pra ser mãe. A maternidade aguçou ainda mais aquele meu desejo intrínseco de ser uma pessoa melhor, de me melhorar a cada dia enquanto mãe, enquanto mulher, enquanto ser humano. E entendi que a busca por conhecimento, por informação e, mais do que isso, por colocar em prática diariamente as teorias e conhecimentos adquiridos, é o que me permitiria que isso acontecesse. Só não estava escrito nas páginas desses livros, nos cronogramas dos cursos, que NEM SEMPRE funcionaria.

    E quando “os dias ao avesso” chegam, nos viramos do avesso também dentro deles. E nos contorcemos, nos reviramos, saímos do trilho…porque somos humanos. E por mais que nos preparemos, dias como esses sempre chegam.

    O que tenho a dizer sobre eles, sobre esses dias ao avesso, é que são como pequenos tornados (“furacõezinhos”) que nos atravessam e contra os quais o mais prudente é não resistir. Como assim? Bom, lhes digo: resistir é pior. Cansa mais e demanda uma energia gigantesca que vai te deixar exausta e exausto ao final do dia. Sendo assim, reconheça que ele está passando, observe e busque ao menos uma “posição” a partir da qual observar. Garanto-te que o “dano” será menor e a exaustão também.

    Mas e se ele estiver passando dentro de você? Então lhe digo: reconheça. Parece simples, mas a maioria de nós não consegue fazer isso, porque isso requer de nós coragem, porque significa assumir e reconhecer sua vulnerabilidade, a sua fragilidade. Hoje li uma frase sobre isso, ela dizia: “Abrigar nossas fragilidades e não nos abrigar em nossas fragilidades.”. E essa frase ressoou em mim. Porque confundimos reconhecer com ser, permitir com “nos tornar”.

    Hoje estou falando de permissão, sobre permitir que o tornado atravesse ou nos atravesse, mas sem fazer dele nossa residência. Atravessar significa ir de um ponto a outro, e nestes dias ao avesso…vir e deixar ir. E, se possível, tirar disso algum aprendizado. Isso também é sobre se respeitar, sobre entender seus limites e se dar tempo. Apertar o botão do PAUSE interno. Sim, às vezes é preciso “parar”, desacelerar, pra depois retomar o movimento.

    Muitos de nós até retomam numa velocidade mais rápida do que a velocidade de outrora. Isso não está nos manuais, mas é uma realidade. Então, mais respeito consigo. Deixe atravessar e depois comece de novo, retome o movimento, aliás, a velocidade dele, porque “reconhecer” também é movimento, ainda que o outro não veja. Em geral não verão.

    Na natureza, muitos processos levam anos acontecendo debaixo da terra para só depois despontar, romper o solo, emergir e crescer numa velocidade absurda. Como acontece com bambu, com a cigarra e tantas outras “manifestações” da natureza. Isso é parte do “estar vivo”.

    Então, com todo respeito a todas as disciplinas, métodos, milagres, formas de comunicar, em muitos dos quais eu busco me aprofundar e seguir, porque realmente funcionam, o que hoje eu escrevo para vocês é que existem os dias ao avesso, em que eles não funcionarão. E está tudo bem, vamos aprender com eles também.

    Hoje eu estou no meu dia ao avesso e bem no olho do tornado, desse “furacãozinho” que me atravessa de fora pra dentro e de dentro pra fora. E bem do centro dele eu resolvi escrever para vocês. Porque este, para mim, é o melhor lugar para se falar de vulnerabilidade, de fragilidade. Foi a posição que escolhi hoje para ter a melhor perspectiva sobre tudo isso. Para observar, reconhecer, atravessar e deixar ir.

    Afinal de contas o dia já já termina e poderemos deitar a cabeça e descansar. Desligar um pouco o consciente e deixar o inconsciente agir nas espirais dos sonhos. Sim, porque eles também dizem sobre nós, aliás, eles são sobre nós, como bem disse Jung.

    E amanhã poderemos levantar de novo, olhar através da janela e rir um pouco de nós mesmos, dessa aventura que é estar vivo, dessa loucura e complexidade que somos enquanto humanos. Enquanto a natureza, através do sol genialmente nos ensina, diariamente, sobre como “recomeçar” mais uma vez e mais uma vez e mais uma, e outra vez e outra e outra, infinitamente.

    Hoje o dia começou ao avesso e eu me virei do avesso junto com ele. Mas amanhã…ah, o amanhã…”amanhã vai ser outro dia”.

“Roda mundo

  Roda gigante

  Roda moinho

  Roda pião…”

  (Chico Buarque)

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