A Escola Cidadã: educar com sentido, educar para transformar

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Quando olho para esse termo Escola Cidadã ao mesmo tempo que me parece tão amplo, me parece tão rico: rico de possibilidades, de horizontes, de conceitos, de alcance. E quando buscamos conhecer um pouco mais do que se trata de fato esta escola que se quer cidadã, entendemos que para além de um projeto de reinvenção da escola, trata-se de uma escola integrada com a vida, ou seja, que abrange não só de trabalhar pautados numa gestão democrática, mas de construir um currículo diferenciado, um currículo intertranscultural, que parta da cultura, as pessoas, da comunidade levando em conta seus saberes e ideias, formando para a vida, um currículo que extrapole a divisão em gavetas quadradas das disciplinas, mas que se apresente e se faça acontecer como um currículo sociocultural e socioambiental, condizente com os seres humanos e suas demandas no século XXI, para estudantes do século XXI e não nesse formato ultrapassado e empoeirado sobre o qual vem se repetindo há 500 anos.

criança na sala de aula

            Vivemos e observamos um modelo de educação que já se mostra obsoleto há anos, que repete as mesmas coisas, que continua a dar respostas a perguntas que não foram feitas, que foca no ensino e não na aprendizagem e coloca o aluno como coadjuvante nesse processo, sendo que ele deveria ser o protagonista. Sendo assim, a proposta da Escola Cidadã se mostra atual e necessária, pois tem como princípios construir uma escola que parta das necessidades dos alunos, se colocando à ESCUTA dos mesmos, ao invés de já vir com um currículo e discurso prontos, uma escola que se propõe dialógica na relação aluno e professor e demais integrantes da comunidade escolar, mas sem perder seu rigor e seu caráter imaginativo. E nesse processo de diálogo e escuta, propor uma ciência que se funde nas necessidades populares e que a escola seja construída com a participação da comunidade, desde o planejamento, sendo a comunidade participativa dentro dessa gestão que se quer democrática.

            Essa forma de pensar a escola, como uma escola de direitos e deveres, onde os direitos humanos são respeitados e discutidos, onde a construção da cidadania e seu exercício desde a infância são condições para a sua existência, é a escola de que precisamos. Como Freire propõe Freire, uma escola uma e diversa, que tenha a sua própria cara, cada qual com suas contradições, seu tempo, seu ritmo, afinal de contas somos um país geograficamente gigante e culturalmente diverso, e não podemos continuar reproduzindo esse modelo padronizado que é empurrado goela abaixo nas crianças sem levar em consideração essa diversidade cultural, seus saberes, sua história, as especificidades do local, da região, da comunidade onde essa escola está inserida, ou seja, sem estar aberta a escutar o aluno.

            A escola, nos moldes como tem sido construída e repetida, transformou a educação numa mercadoria, o vai de encontro ao princípio da cidadania, é urgente que haja uma reconversão desse modelo de escola que segue a lógica do mercado e se apresenta como mercadoria, para uma escola que se mostre como direito, inclusive ao de ter voz, um direito que está na nossa Constituição e também na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que institui o direito à palavra e à liberdade de expressão, o que inclui o professor, como cidadão, e que nos últimos tempos temos assistido as diversas tentativas de silenciamento dessas vozes, como com a proposta do projeto Escola Sem Partido, que não tem nenhum respaldo, sequer na nossa tradição democrática, um projeto que por sua proposta se revela extremamente partidário e que se contradiz na sua própria essência.

muro de escola

            A Escola Cidadã, como seu próprio nome já diz, é uma escola que se articula à cidade, que deve estar integrada ao processo educativo e estar preparada para receber essas crianças e ser também uma cidade educadora, porque estatal, pública e democrática e por isso não deve abrir mão desses três princípios: estatal, porque de responsabilidade do Estado e este deve assumir o seu papel, o que muitas vezes não tem feito; pública porque é feita para o povo e com o povo; e democrática por essência e no que tange à sua gestão, construída com diálogo e participação.

            Hoje, ainda estamos distantes da realidade de uma gestão democrática, o que assistimos e presenciamos na maior parte das escolas tanto públicas quanto privadas é uma instituição verticalizada e pouco dialógica, onde a comunidade assiste ao processo educativo ao invés de participar dele, onde os pais mal podem passar do portão da escola, a não ser com horário marcado, salvo exceções. O momento de acolhimento é pouquíssimo acolhedor e não dialogam com a comunidade, as reuniões de pais mais parecem momentos de informe do que um momento de diálogo e participação para que se possa contribuir e construir juntos, em parceria, esse processo educativo. Os conselhos de classe são um horror, onde são “premiados” os bons alunos e são punidos os “maus” alunos ao invés de buscar entender através dos sintomas, o que pode ser melhorado, ao invés de buscar ampliar a escuta para que a escola passe a fazer sentido para aquele estudante, desde a porta até o que é discutido dentro dela. Os colegiados escolares, que são momentos e espaços importantíssimos para o exercício dessa cidadania, o momento de por em prática os valores e participar da construção dessa escola e dos valores que a regem, são praticamente inexistentes na maior parte das escolas hoje. Quase não se ouve falara mais dos grêmios estudantis, por exemplo. E os CECs (Conselho Escola Comunidade) que seria outra forma de colegiado, que inclui representantes do segmento aluno, professor, pais e funcionários, são ineficientes, as reuniões são escassas e pouco do que é discutido é transformado em uma ação concreta, mas que se funcionassem de fato seriam uma bela de uma oportunidade para a participação da comunidade na escola.

projeto escolar

            Um dos princípios mais bonitos que a Escola Cidadã traz em si, que garante a gestão democrática e a aprendizagem significativa, ou seja, aquela que agrega significado, que faz sentido para o educando, o princípio freiriano de leitura do mundo, em que a escola trabalha partindo do conhecimento da comunidade e do contexto onde está inserida, trazendo o observado para a sala de aula, para serem trabalhados junto aos estudantes de forma a poder intervir nas questões observadas. Isso se dá através da tematização, outro princípio, que compreende o momento de fazer essa problematização da realidade, o que na Escola Cidadã se dá no contexto dos Círculos de Cultura, onde as pessoas podem participar e ali trazer a pesquisa, a interdisciplinaridade e com isso acabam por garantir a participação, a aprendizagem significativa e o diálogo, outro princípio freire. 

            Hoje o que vemos são as crianças não querendo ir para a escola, em sua maioria vão porque são obrigadas e posso afirmar que a causa disso é que a escola não tem feito sentido para essas crianças e jovens, essa escola empoeirada, que cheira a mofo, que não dialoga com a realidade e a atualidade e que continua a reproduzir velhos padrões. A escola com sentido, tem que fazer sentido para TODOS os que estão nela, aproximando dessa escola a família e a comunidade, trazendo-os para participar do momento do planejamento no início do ano, escutando o que essa comunidade tem a dizer, o que os poias tem para colocar como contribuição nesse processo, porque eles são peças chave, pois são eles que fazem parte do dia a dia dessas crianças.

            Uma das formas das escolas passarem a fazer mais sentido para essas crianças e jovens é inserindo a tecnologia no processo educacional, não como algo que ameaça este processo, mas que agrega, que facilita o nosso trabalho, mas para isso o Estado tem que contribuir, é um trabalho coletivo, que demanda também vontade política para fazer acontecer.

            O fato é que vivemos no século XXI, mas nossas escolas permanecem no século passado. E deixo aqui todo meu respeito àquelas escolas, iniciativas e projetos, incluindo a Educação Popular, a Educação fora das escolas, a Educação Informal que entenderam que vivemos outros tempos, mas que seremos sempre humanos e que por isso seguem na vanguarda da educação fazendo a diferença no nosso país.

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