A criança e o processo de construção do conhecimento

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Precisamos urgentemente refletir sobre os processos de construção do conhecimento, para que possamos aprofundar nossas relações não só em sala de aula, mas com o mundo à nossa volta. Num momento em que estamos cercados de dados e informações, de forma acelerada, superficial, na maioria das vezes, e até “poluidora”, é fundamental que entendamos e separemos fatos e informações de conhecimento. O conhecimento não tem a ver com o conteúdo de cada disciplina, mas com o contexto em que aquela informação por produzido, aí está o conhecimento. Até hoje, inacreditavelmente, nossos filhos estudam, ou melhor, decoram os nomes das três naus que chegaram ao Brasil, informação essa que está colada em mim e em cada um de nós, e que de nada nos serve. Porque saber que se chamavam Santa Maria, Pinta e Nina, se não sei o porquê delas terem sido construídas, em que condições e para que fim as produziram, por que e para quê para cá vieram, quais os interesses envolvidos nisso, na “descoberta” de nosso território que já é mais do que sabido que não foi ao acaso? Por que estudar o Tratado de Tordesilhas se logo após decorar essa informação não questionamos o fato de ter sido feito um tratado de uma área que na teoria “nem havia sido descoberta”? Enfim, conhecimento é muito mais do que informação. É entender o contexto, a conjuntura em que os fatos se dão, é cruzar informações, elaborar sínteses, tirar suas próprias conclusões, ser capaz e ter espaço e liberdade para refletir criticamente sobre elas, para que nós, eternos educandos que somos, nos sintamos acolhidos e estimulados a aprofundar as questões que nos são apresentadas.

Construir conhecimento é pesquisar, fazer o percurso da pesquisa, pra que possamos descobrir por conta própria aquilo que estávamos buscando, que nos era necessário descobrir, aquilo que nos chamou a atenção, que nos despertou curiosidade, para que ao pesquisar, saiamos da curiosidade ingênua e construamos, através do percurso das pesquisa, a condição de curiosidade epistemológica, mais aprofundada e construtora de conhecimento, que é elaborado no caminho entre uma curiosidade e outra.

Nesse caminho o professor deve se apresentar como o organizador da aprendizagem, tanto da sua como do outro, e não um transmissor. A criança, precisa ser livre para aprender, poder errar para chegar ao acerto, tentativa e erro. A criança é em sua natureza, pesquisadora, investigadora, curiosa, falante, falo isso até mesmo pelo aprendizado que construo na convivência com meu filho mais novo Teo, que na sabedoria de seus 4 aninhos, me surpreendeu um dia desses, quando ao me deparar com o banheiro alagado, tarde da noite, e perguntado sobre o que estava fazendo aquela hora da noite debruçado na pia, lindamente me respondeu: “- Mãe, eu tô fazendo uma experiência!”. Aquilo foi pra mim um aprendizado gigante! Porque nós adultos, vamos sendo, no decorrer da vida, podados pela sociedade e, pouco a pouco, ou talvez a passos largos, vamos nos desconectando da nossa criança interior, e assim, vamos nos distanciando, nos perdendo de saberes essenciais com os quais nascemos e construímos em nossa infância, mas dos quais vamos sendo apartados e, quando adultos, se estivermos com a escuta aberta, temos a oportunidade de reaprender e de nos reconectar com a nossa criança através dos nossos filhos ou das crianças que nos cercam. Eles têm muito a nos ensinar, mas para isso é preciso estar aberto, inteiro, atendo, é preciso haver escuta plena. Não silenciar nossas crianças, não fazer com eles o que fizeram com a gente em casa e/ou na escola. No meu caso, por sorte, só na escola, o que me possibilita buscar para meus filhos uma educação e escola diferenciada, que esteja minimamente alinhada com aquilo que acredito e vislumbro como processo de ensino-aprendizagem emancipatório, respeitador da autonomia da criança como ser humano.

criança pintando com tinta guache

Sem essa liberdade, não é possível pensar em aprendizagem, porque é na liberdade que o cérebro do ser humano funciona, nessa vontade de avançar sempre. A criança precisa ser livre para aprender, pra que se mantenha motivada e não perca o interesse e a curiosidade em aprender. A criança silenciada se torna desinteressada, inclusive pela escola, por isso muitas não querem ir pra escola, reclamam da escola, porque possivelmente estão sendo silenciadas, corrigidas constantemente. A gente vive numa sociedade viciada na correção, em corrigir o outro, direcionando seu aprendizado, enquanto deveríamos deixá-lo construir por conta própria, pesquisar, errar, porque é na pesquisa, no ensaio, no erro que a gente pode chegar ao acerto. É de tanto corrigir nossas crianças, que eles se tornam adultos que não sabem lidar com os erros, com os insucessos, com as frustrações, porque não vivenciaram o processo da pesquisa, da tentativa e do erro quando crianças, por não entenderem que o erro é um caminho para o acerto e que na nossa jornada da vida, vamos errar e acertar infinitamente. E que o importante nisso tudo, não é o resultado final, mas quem nos tornamos nesse processo. Nesse constante ir e vir, onde a criança tem sim o direito de decidir sobre tudo que lhe diz respeito. Não podemos, não devemos lhes roubar esse direito. E isso começa de dentro da nossa casa, com pequenos gestos como escolher a própria roupa, escolher com que brincar, escolher como organizar seu espaço, porque é no respeito a essa liberdade, a esse direito de escolha como ser autônomo que é, que a criança poderá desabrochar suas potencialidades. Não é silenciada, imobilizada e separada que ela desabrocha, mas quando é ouvida, livre, incluída que ela se entende como ser e constrói seus próprios processos de aprender.

A criança, quando participa das atividades de casa, quando é incluída no limpar, no cozinhar, no organizar, que já é da sua natureza este senso colaborativo, participativo, como faço em casa com meus filhos ao incluí-los nas tarefas que executo, se sente pertencente, se enxerga como um ser capaz, aprende e ensina e nós também nesse processo. A escola, nesse sentido, e como uma extensão disso, deve funcionar como um espaço de liberdade, de respeito à autonomia, de respeito à diversidade, um espaço não diretivo, não corretivo ao extremo, onde o erro seja compreendido como um caminho dentro desse grande processo de pesquisa que é a vida, para que se possa chegar ao acerto.

 

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